O Mestre Indaga ao Aprendiz – IX


A celebração dos mistérios é uma brincadeira?

 

A transição da infância para a adolescência é marcada por profundas transformações na subjetividade e nas relações sociais. A presente análise tem como objetivo investigar como essa transição se manifesta na experiência individual, a partir da lembrança de uma atividade lúdica da infância: a criação de jogos com tampinhas de garrafa. A comparação entre essa experiência e as demandas da vida escolar permite refletir sobre a importância do brincar para o desenvolvimento cognitivo e afetivo.

 

Neste contexto etimológico pretendo oferecer uma possível resposta a indagação do mestre.

 

A brincadeira

 

Na época em que era menino brincava solitário com centenas de tampinhas de garrafa, chamadas de fichas. Eram tampinhas de cerveja, refrigerante, de diversas marcas e cores. Antes, precisei encontrá-las nas mercearias e bares do meu bairro. As fichas eram divididas em dois grupos, formando dois exércitos. As mais raras ocupavam o topo da hierarquia militar. O deslocamento das divisões era feito tampinha por tampinha, um processo lento que durava o dia todo e nunca parecia terminar. Por isso, a guerra nunca tinha fim.

 

Todavia, chegou o tempo de conhecer a escola, as professoras, a disciplina. Tinha muitos deveres de casa para fazer e poucos orientadores para me ajudar nas tarefas. Não tinha mais tempo para brincar. Não gostei da transição do mundo do brincar (imaginação livre) para o mundo do estudar e realizar tarefas cujas respostas já estavam prontas. Mal sabia eu que estava condenado a ser um Aprendiz Maçom por toda a minha vida.

 

Colocação da questão

 

A psicanálise de Winnicott sugere que objetos inanimados podem adquirir um significado especial para o indivíduo. Como posso aplicar essa ideia para entender a felicidade que encontrava ao brincar com minhas tampinhas de garrafa? Qual o papel do brincar na construção da minha identidade?

 

Dr. Winnicott enfatiza a importância do brincar e da criatividade para o desenvolvimento saudável. Como a teoria dele pode nos ajudar a entender a relação entre felicidade, revolta, processos criativos e dá resposta a indagação do mestre?

 

Dr. Winnicott propõe que a cultura adulta é uma extensão do brincar infantil. Quais são os aspectos do brincar infantil que se conectam com a criação cultural? Como a criança, ao brincar, constrói sua identidade e sua relação com o mundo?

 

Possíveis respostas ou provocações à reflexão

 

Há quem afirme que a felicidade só existe ao preço de uma revolta. Esta afirmação nos convida a uma reflexão sobre o estado atual da sociedade. A psicanálise, ao se debruçar sobre a experiência íntima, pode oferecer ferramentas para compreender e lidar com essa dinâmica complexa.

 

A psicanálise nos ensina que a felicidade não é um estado estático, mas sim um processo contínuo de construção e reconstrução da subjetividade. A revolta, nesse sentido, pode ser vista como uma força motriz para a mudança e o crescimento pessoal. Ao confrontar as normas e as expectativas sociais, o indivíduo abre espaço para a expressão de seus desejos e necessidades mais profundas.

 

Dr. Winnicott, em sua teoria dos processos intermediários, nos mostra que o brincar é um espaço de transição rico e complexo, onde a criança pode experimentar, criar e transformar a realidade. Mais do que uma simples atividade lúdica, o brincar é fundamental para o desenvolvimento integral, proporcionando um refúgio seguro para a exploração e expressão de si mesma. Ao brincar, a criança constrói um mundo próprio, experimentando diferentes papéis e desenvolvendo sua imaginação, contribuindo assim para a formação de uma identidade autônoma e criativa.

 

Tanto o fazer quanto o pensar são essenciais para o desenvolvimento infantil. O fazer permite que a criança explore o mundo de forma ativa, desenvolvendo suas habilidades motoras e cognitivas. Já o pensar possibilita a criação de significados e a construção de um mundo simbólico.

 

O Brincar na Vida Adulta

 

A capacidade de brincar não se limita à infância, mas permeia toda a vida. Através do jogo, da arte e da criatividade, os adultos podem resgatar a espontaneidade e a curiosidade da criança interior, enriquecendo suas experiências e promovendo o bem-estar. 

 

A Cultura da Revolta e o Brincar Adulto

 

A cultura da revolta pode ser vista como uma expressão do desejo de resgatar a capacidade de brincar perdida na vida adulta. Ao questionar as normas e as instituições, os indivíduos estão buscando criar um novo espaço para a expressão de seus desejos e necessidades.

 

A Psicanálise como Ferramenta para a Transformação

 

A psicanálise oferece ferramentas para que o indivíduo alcance uma felicidade mais profunda e duradoura. Ao desvendar as origens de suas insatisfações e necessidades, a psicanálise possibilita um autoconhecimento mais libertador (liberta da dor).

 

Além disso, através do trabalho analítico, é possível elaborar os conflitos internos que muitas vezes impedem a realização pessoal. Ao promover o desenvolvimento da autonomia e da capacidade de fazer escolhas, a psicanálise capacita o indivíduo a construir uma vida mais autêntica e satisfatória.

 

Buscando uma Conclusão

 

A felicidade, a revolta e o brincar são conceitos interligados que nos convidam a refletir sobre a condição humana. A psicanálise, ao se debruçar sobre a experiência íntima, oferece ferramentas para compreender e transformar a realidade. Ao resgatar nossa capacidade de brincar, podemos encontrar novas formas de expressar nossos desejos e construir uma sociedade mais justa e igualitária.

 

Dr. Winnicott nos auxilia a compreender que as dificuldades da vida adulta podem ter raízes na infância, quando nossas necessidades básicas não foram plenamente atendidas. Ao desvendar esses processos, podemos promover o crescimento pessoal e estabelecer relações mais saudáveis e satisfatórias.

 

O conceito de espaço potencial, onde a criança explora e cria livremente, é fundamental para entender a importância da criatividade e da espontaneidade no desenvolvimento humano. Esse espaço, quando preservado, permite que a criança desenvolva sua identidade e estabeleça vínculos saudáveis com o mundo.

 

Ao oferecer uma compreensão dos processos subjetivos, a psicanálise contribui para a legitimação de diferentes modos de vida e experiências humanas. Ao reconhecer a complexidade da mente humana e a importância das relações interpessoais, a psicanálise nos ajuda a construir uma sociedade mais tolerante e compreensiva.

 

É importante ressaltar que a teoria de Winnicott é apenas uma das muitas perspectivas sobre o desenvolvimento humano. Ao buscar compreender as dificuldades da vida adulta, é fundamental considerar uma abordagem multidisciplinar, que leve em conta fatores biológicos, psicológicos, antropológicos e sociais.

 

A celebração dos mistérios maçônicos.

 

Feita esta breve introdução aos ensinamentos do Dr. Winnicott podemos entender a Celebração dos Mistérios Maçônicos como um resgate ao ambiente lúdico da nossa infância.

 

Inspirados nos ensinamentos de Dr. Winnicott sobre o espaço transicional, podemos compreender a Celebração dos Mistérios Maçônicos como um retorno àquele lugar de brincadeira e criatividade da infância, onde construímos um mundo ideal. Na perspectiva maçônica, esse mundo ideal representa a busca pela Justiça Amorosa, um reino de harmonia e equidade. Ao resgatar essa dimensão lúdica, o maçom se torna um amante ativo, cultivando o amor ágape em todas as suas relações.

 

O Espaço Transicional Maçônico

 

Winnicott define o espaço transicional como um lugar intermediário entre a realidade interna e a externa, onde a criança cria um mundo de fantasia e explora sua criatividade. A celebração dos mistérios maçônicos, ao proporcionar um ambiente simbólico e ritualístico, pode ser compreendida como um espaço transicional para o adulto. Nele, o maçom pode se conectar com sua criança interior, expressar seus desejos e medos de forma segura e explorar novas possibilidades de significado. Os símbolos maçônicos, como o avental e a coluna, podem ser vistos como objetos transicionais que facilitam essa conexão e proporcionam um senso de pertencimento e identidade.

 

Durante a celebração dos mistérios, o maçom, como uma criança adulta, tem a liberdade de explorar novas formas de combater as opressões e as limitações à expressão individual. Através do jogo simbólico e da reflexão profunda, ele busca soluções criativas para os desafios da vida, promovendo a inclusão e a diversidade. Ao transcender o egoísmo e os apegos materialistas, o maçom se torna um agente de transformação, combatendo as raízes da dor e do sofrimento.

 

Amados Irmãos, desejo que o nosso contentamento seja contribuir para o desenvolvimento da Maçonaria.

 

Poeta Hiran de Melo - Mestre Instalado, Cavaleiro Rosa Cruz, Cavaleiro Noaquita - oráculo de Melquisedec, e Sublime Príncipe do Real Segredo, Grau 32 do Rito Escocês Antigo e Aceito. Campina Grande, 27 de novembro de 2024.

 

Recomendo, a arte um grande bem libertador, assistir e refletir:

https://www.youtube.com/watch?v=XLu-CdmYY3U

 

Leituras recomendadas:

 

Rosangela Teresa Onocko-Campos: Apontamentos Úteis para a cultura brasileira contemporânea

Luís Claudio Figueiredo: A CLÍNICA PSICANALÍTICA A PARTIR DE MELANIE KLEIN. O QUE ISTO PODE SIGNIFICAR? Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(71): 125-150, dez. 2006.


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