Entre Símbolos e Poder – Um Diálogo sobre a Jornada
Iniciática
Mestres Pike e Melquisedec
Por Hiran de
Melo
Pike: Quando um homem comum se aproxima do Templo
de Salomão, não encontra apenas pedra bem talhada. Ele encontra sua própria
imagem em estado bruto. Cada bloco revela uma virtude a ser cultivada, cada
proporção exprime uma ordem interior que precisa ser descoberta. Ao cruzar o
limiar, o silêncio que o envolve não é vazio — é um convite. Nada ali é por
acaso: cada gesto, cada palavra, cada objeto guarda um sentido profundo.
Melquisedec: E esse silêncio, meu irmão, não é
apenas reverência. É também um modo de conduzir o olhar e o comportamento. Os
rituais, as posições, os instrumentos… tudo isso opera como uma trama de gestos
que educam, moldam, orientam. O maço e o cinzel não servem apenas como
metáforas da vontade e da inteligência: eles constituem práticas que,
repetidas, organizam o corpo e o espírito segundo uma ética particular.
Pike: Por meio deles, o candidato aprende que sua
primeira tarefa é lapidar a si mesmo. E essa lapidação não ocorre ao acaso: ela
é conduzida por princípios luminosos. O esquadro ensina a retidão; o nível
recorda a igualdade essencial entre os homens; o prumo aponta para a
verticalidade moral; o compasso mostra o equilíbrio e a justa medida. São
instrumentos que, juntos, constroem um caminho.
Melquisedec: Instrumentos que também tornam
visível aquilo que a tradição considera nobre ou verdadeiro. Funcionam como
critérios que definem o que é virtude, o que é sabedoria, o que é iluminação. O
iniciado não se transforma apenas pela vontade: transforma-se dentro de um
campo de significações que orienta seu modo de ser.
Pike: No coração desse campo está o mito de Hiram
Abiff. Na dramatização ritual, o candidato morre simbolicamente, fiel ao
segredo mesmo diante da ameaça. Ao renascer, compreende que a sabedoria exige
coragem, sacrifício e entrega. Esse é o ponto decisivo da jornada.
Melquisedec: Sim, mas repare: esse mito não só
inspira — ele também estrutura comportamentos. A morte simbólica é uma técnica
de renovação interior, mas é igualmente um convite a conformar-se a um modelo.
O mito funda uma memória que deve ser revivida e interiorizada.
Pike: E a jornada segue até a consagração do
Mestre como Venerável. Assim como os antigos Reis eram ungidos para mediar
entre o terreno e o sagrado, o Mestre é instalado para guiar os irmãos e
preservar a tradição. Ele recebe insígnias e palavras que o transformam,
legitimando sua função.
Melquisedec: Legitimando, e ao mesmo tempo
organizando posições e responsabilidades. A consagração produz papéis, define
territórios de ação, estabelece hierarquias simbólicas. É uma forma de dizer
quem conduz, quem interpreta, quem guarda a memória da Loja.
Pike: No final, o iniciado é conduzido ao segredo.
Ele então aprende que o segredo não é uma senha, nem um enigma a ser decifrado.
É uma experiência vivida, uma luz que se acende por dentro.
Melquisedec: E é justamente por ser uma
experiência que não se expressa em palavras que o segredo inaugura o silêncio
ritual. Ele determina o que pode ser dito, e a quem. Traça a fronteira entre o
que permanece velado e o que pode ser revelado. O segredo organiza a própria
linguagem da Ordem.
Pike: Quando chega a esse ponto, o iniciado já não
é apenas um participante. Ele se torna parte de uma corrente que atravessa o
tempo, unindo o ontem ao agora.
Melquisedec: Uma corrente que não é imóvel. Ela se
renova a cada geração, numa dança contínua entre tradição e mudança. O caminho
iniciático não é apenas libertação; é entrada regulada em um universo simbólico
que transforma o sujeito enquanto o insere numa rede viva de significados.
Conclusão
A jornada iniciática, vista por Pike como um percurso de símbolos e por
Melquisedec como uma formação do sujeito dentro de um campo de forças,
revela-se como uma obra profunda de autoconstrução. Entre o maço e o compasso,
entre Hiram e o segredo, o iniciado é talhado — por si e pelo rito. Na tensão
entre conservação e renovação, a luz da maçonaria encontra seu brilho mais
verdadeiro.

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