A Maçonaria Necessária: Criando uma Sociedade que Não Abandone Mais Ninguém

Por Hiran de Melo

A entrevista fictícia, que circula nas redes sociais, concedida ao jornal O GLOBO por aquele que lidera uma das maiores organizações criminosas do país funciona como um verdadeiro choque de realidade. Em verdade trata-se de um texto escrito Arnaldo Jabor,Estamos Todos no Inferno”. Entretanto, revela um personagem que fala com a franqueza de quem vive em regiões onde o Estado não chega — ou chega tarde, fraco e cansado. É a voz de alguém moldado por um mundo em que estruturas essenciais se dissolvem diante dos olhos: famílias frágeis, escolas esvaziadas, instituições ausentes e comunidades corroídas pela luta diária pela sobrevivência.

O inquietante não é o tom ameaçador, mas a lógica fria que sustenta cada palavra. Ele se apresenta como fruto de um processo social longo e silencioso, que passou despercebido por anos. Não há romantização do crime: há a constatação de que o abandono produz seus próprios “heróis sombrios”, indivíduos que crescem nas bordas, alimentados pelas sobras de uma sociedade que deixou de olhar para os seus.

O que ouvimos é a expressão de um tempo em que tudo se torna líquido: instituições frágeis, autoridades que não inspiram confiança e uma sensação constante de que até a ideia de solução parece derreter nas mãos. O personagem não descreve apenas um crime organizado, mas uma forma de existência que nasceu do desgaste contínuo da vida social. Não é apenas violência; é o rastro deixado por promessas que nunca se cumpriram, por políticas interrompidas e esperanças trituradas.

O paradoxo surge quando ele menciona cultura, leitura e consciência social com naturalidade. O mesmo mundo que o rejeitou foi justamente o que o formou. A sociedade que não ofereceu caminhos produziu, nas sombras, um tipo de inteligência adaptada ao caos — mais assustadora que qualquer armamento.

E quando afirma que “não há solução”, ele aponta para algo maior: tentamos ocultar rachaduras profundas com pintura nova. Ignoramos periferias, romantizamos a pobreza e transformamos tragédias em paisagens de cartão-postal. Agora, assustamo-nos com aquilo que cresceu no abandono.

O discurso dele revela que, enquanto o Estado funciona devagar e preso a si mesmo, a lógica do crime se move com rapidez, preenchendo vácuos. Onde falta presença legítima, nasce presença paralela. Onde o poder oficial é fraco, outro poder se instala. Onde a vida vale pouco, a morte perde o significado.

Essa “entrevista” expõe o quanto nos habituamos ao improviso, à falta de continuidade e ao abandono de projetos sérios. Sem solidez, tudo se torna inseguro — inclusive nós. O medo que ele cita não é apenas o medo da violência, mas o medo de reconhecer que a estabilidade em que acreditávamos talvez nunca tenha existido de verdade.

O personagem não aponta soluções. Ele não quer resolver, quer revelar. Suas palavras escancaram as sombras que crescem quando a luz da sociedade enfraquece. E o mais desconfortável é perceber que ele não está totalmente errado.

Por mais dura que seja, essa fala cumpre uma função necessária: tira-nos do conforto das ilusões e nos obriga a encarar a realidade como ela é. Recorda-nos que forças complexas não se enfrentam com desejos simples. E que as margens avançam sobre o centro quando o centro esquece das margens.

Este texto não é um convite ao desespero, mas ao despertar.

Pois, apesar do tom fatalista do “depoimento”, a lucidez dele indica o essencial: nada disso surgiu ontem — e nada desaparecerá sem esforço. A mudança exige coragem, projetos duradouros e a reconstrução paciente do que deixamos ruir.

E há apenas um caminho capaz de enfrentar o que nasceu do abandono:
construir, com firmeza e fraternidade, uma sociedade que não abandone mais ninguém.

Pela Construção da Maçonaria Contemporânea Necessária

Meus Irmãos,

Se vivemos tempos em que estruturas se desfazem, em que a insegurança avança e em que o abandono produz seus próprios monstros, então cabe a nós — que juramos servir à Luz — fazer nascer a Maçonaria que este século exige.

Não a Maçonaria das nostalgias, mas a da responsabilidade.
Não a Maçonaria dos discursos, mas a das obras.
Não a Maçonaria de portas fechadas, mas a do coração aberto ao outro.

Nosso dever é reconstruir, com coragem e Sabedoria, aquilo que a sociedade deixou ruir.

É reerguer pilares onde há vazio, lançar pontes onde há abismos, e reacender a esperança onde o desespero cresceu.

Somos chamados a ser a força serena que o mundo esqueceu, a firmeza ética que o tempo dissolveu, a presença que nenhuma periferia humana pode mais esperar em vão.

Que cada Irmão seja um pequeno farol. Que cada Loja seja uma oficina de reconstrução moral. Que cada gesto nosso seja um lembrete silencioso de que ainda existem homens dispostos a servir ao bem.

Porque a Maçonaria necessária não é apenas a que preserva símbolos, mas a que transforma vidas. É a Maçonaria que não abandona — porque sua missão é justamente ser o oposto do abandono.

Que assim seja.

Comentários

  1. Parabéns pela excelente reflexão!!! Contudo, perdoe-me, não vejo "forças" na Maçonaria para liderar essa "batalha". Mas, o texto, repito, excelente!!!

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