Igreja
e Maçonaria - entre a Unidade Viva e a Pluralidade Criadora
Por Hiran de Melo
A
reflexão que propõe a Igreja como “casa de todos” não se limita a um debate
interno da fé cristã. Ela toca uma questão mais profunda, que atravessa a
história das instituições humanas: como construir unidade sem sufocar a
diferença? Nesse ponto, o diálogo simbólico com a Maçonaria surge não como
provocação, mas como oportunidade de compreensão mais ampla do humano em sua
busca de sentido, verdade e comunhão.
Tanto
a Igreja quanto a Maçonaria nascem do reconhecimento de que o ser humano não se
realiza no isolamento. Ambas são respostas distintas a uma mesma inquietação: a
necessidade de formar comunidade sem perder a singularidade. Quando a Igreja é
compreendida como espaço de comunhão e não de uniformidade, ela se aproxima de
uma intuição fundamental da tradição maçônica: a ideia de que a harmonia não
nasce da igualdade forçada, mas do ajuste vivo entre diferenças.
A
crítica à lógica da Torre de Babel, muitas vezes presentes no debate de ideias,
ecoa um alerta que também atravessa o simbolismo maçônico. A torre construída
com tijolos idênticos representa a tentação de uma ordem artificial, rígida,
que busca segurança ao preço da liberdade. Do mesmo modo, qualquer instituição
— religiosa ou iniciática — corre o risco de se transformar em estrutura de
conservação, quando passa a temer o devir e a pluralidade. A Maçonaria, ao
trabalhar simbolicamente com a pedra bruta e a pedra polida, reconhece que não
existem homens iguais, nem trajetórias idênticas; há, sim, um labor comum que
respeita ritmos, formas e vocações diversas.
A
hermenêutica inspirada em Nietzsche permite perceber que o verdadeiro perigo
não está na diferença, mas no medo dela. O “pensamento único”, seja ele
teológico, político ou tecnológico, expressa uma recusa da vida em sua
complexidade. Quando a Igreja confunde unidade da fé com padronização das
consciências, ela se distancia de sua força criadora. Quando a Maçonaria se
esquece de que seus símbolos são caminhos de abertura e não dogmas fechados,
ela igualmente empobrece sua vocação formadora. Em ambos os casos, a vida
espiritual se reduz a mecanismo, e não a experiência.
A
imagem de Pentecostes, em que cada um fala a sua própria língua e, ainda assim,
é compreendido, oferece uma chave preciosa para pensar essa relação. A comunhão
autêntica não elimina as linguagens; ela cria um espaço onde as diferenças
podem ressoar sem se anular. De maneira análoga, a Maçonaria não exige
uniformidade de crenças religiosas ou filosóficas, mas propõe um campo
simbólico comum onde múltiplas visões de mundo podem dialogar. Essa convivência
não é isenta de tensões, mas é justamente nelas que reside sua fecundidade.
A
renovação constante da Igreja, comparada à reconstrução do Templo de Jerusalém,
também encontra paralelo no ideal maçônico de aperfeiçoamento contínuo. Não há
obra acabada, nem no indivíduo, nem na coletividade. Cada geração é chamada a
reconstruir, reinterpretar e purificar o que recebeu. Quando esse processo é
vivido com humildade, o declínio deixa de ser sinal de decadência e se torna
ocasião de transformação. A perda de formas antigas pode abrir espaço para
novas expressões do espírito, mais fiéis à vida e ao tempo presente.
Nesse
horizonte, Igreja e Maçonaria não precisam ser vistas como inimigas ou
concorrentes, mas como expressões distintas de uma mesma busca humana por
sentido, justiça e transcendência. Ambas falham quando se fecham em si mesmas;
ambas florescem quando se reconhecem como espaços de serviço, não de domínio. A
Igreja, quando se lembra de que é dom a ser acolhido e não estrutura a ser
controlada, reencontra sua dimensão espiritual mais profunda. A Maçonaria,
quando permanece fiel ao seu caráter simbólico e iniciático, reafirma sua
vocação de formar homens livres, responsáveis e fraternos.
Assim,
o encontro possível entre Igreja e Maçonaria não se dá no nível das doutrinas
rígidas, mas no terreno mais delicado da ética da vida. Trata-se de afirmar a
pluralidade sem cair no relativismo vazio; de buscar unidade sem sacrificar a
singularidade; de cultivar esperança sem negar o conflito. Nesse espaço de
tensão criadora, ambas podem contribuir para que o ser humano não sucumba ao
niilismo da padronização, mas aprenda a transformar a diferença em fonte de
comunhão viva.
Amar
a vida, nesse contexto, não significa ignorar suas fraturas, mas reconhecê-las
como parte do processo criador. É nessa aceitação corajosa do devir que Igreja
e Maçonaria, cada uma a seu modo, podem continuar a oferecer ao mundo não
respostas prontas, mas caminhos de sentido, dignidade e esperança.

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